Edição #16
Lisboa, 2011
“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”
TAGS: entrevista, música, música eletrônica, vídeos
“Mau e inimigo do homem chamo a todo esse ensinamento do único e do perfeito, do imóvel e do satisfeito, do imperecível. Todo imperecível – é apenas uma imagem!” -
Assim Falava Zaratustra, Nietzsche
Há muito tempo atrás, na Grécia Antiga, a sociedade era dividida entre dois grandes grupos: havia os seguidores de Apolo, e esta era a sociedade patriarcal, que representava o Conceito, o Racional, o Reto; e havia também os seguidores de Dionísio, deus que representava a Metáfora, o Adaptável, o Mutável. Dionísio era o deus do prazer, das festas e do vinho. Havia uma espécie de disputa entre eles, mas o ideal mesmo era haver um equilíbrio entre os dois.
Com o advento do Judaísmo, que eclodiu após os hebreus terem se libertado dos egípcios, e com o Platonismo, que falava sobre o mundo das ideias e transportava o mundo real para o pós-morte, surgiu desses dois grandes rios o Cristianismo, que é uma fusão entre o Judaísmo e o Platonismo. Com Platão, Apolo venceu Dionísio... E como o Cristianismo bebeu de Platão, o Cristianismo é um resquício muito poderoso de Apolo.
Uma característica forte do culto a Apolo era a solidificação de Conceitos estabelecidos numa hierarquia patriarcal que partia do homem ateniense, e onde todo o resto - mulheres, escravos, estrangeiros - eram o estranho, o bárbaro. Nessa sociedade, as mulheres não tinham espaço e eram confinadas aos fundos da casa. Aliás, quem não fosse homem ateniense, "calado já estava errado"...
Desde que o Cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, ela se tornou a inquisidora Religião Conceitual da nossa época, com seu conceitualismo remontando desde Apolo, e vem desde então sufocando de todas as maneiras a existência da Metáfora (ou tudo aquilo que não seja cristão). Hoje em dia, não é mais o homem ateniense que detém o Conceito apolíneo, mas na sociedade ocidental este tem sido do Homem Branco Heterossexual Cristão, e todo o resto é o que serve apenas manter esta estrutura única de dominação.
O Conceito petrifica toda a possibilidade de progresso, pois ele já está convencido de que é a Verdade em si, por isso não precisa mais procurar fora e se satisfaz com a sua tábua de salvação. Quando se privilegia o Conceito, corre-se o risco de se iludir achando que se chegou à verdade, então a pessoa passa a imaginar que "se encontrou", que "está salva". Isso ocorre porque as pessoas sentem-se inseguras com a sua natureza e o seu destino, e precisam se agarrar a algo "firme" para poder se escorar nele (em cima disso são construídos os ídolos). O problema é que a vida é um rio em fluxo constante e a pessoa fica inerte, presa no Conceito, quando deveria estar navegando nesse rio de Metáforas e transformações que é a vida.
Por que a Bíblia tem perdurado por tanto tempo? Porque por quase dois milênios, se você fosse contra a Bíblia, você era queimado vivo na fogueira. A Metáfora da fraternidade generalizou-se no processo do Renascimento e da Revolução Francesa, ao surgimento da conscientização de que aquela mumificação de Conceitos mantinha tudo estagnado, e daí estabeleceu-se uma luta frontal contra a lei civil vigente - o Absolutismo e o Cristianismo. A Igreja (O Conceito) deixou de ter tanto poder sobre todo o resto. Mas na linha do tempo da história da humanidade, o Renascimento e a Revolução Francesa foram ontem...
Ainda sentimos a pesada influência do Grande Conceito, o Cristianismo, sobre a sociedade, por isso a Bíblia ainda é lida por tantos, ainda é considerada o livro mais importante do mundo, a palavra revelada por Deus, e quando ela se assume como a Verdade Eterna e Imutável de Deus, está provando com todas as letras que é um grande Conceito.
Mas a cada dia, cada vez mais e mais pessoas, aos poucos, estão deixando a Metáfora renascer em suas vidas. A sociedade, como sempre, evolui, mesmo que seja através de conflitos, e abrirá cada vez mais espaço para o florescimento da Metáfora. Isso é inevitável! Há muito tempo que o Homem Branco Cristão Heterossexual vem dominando o mundo ocidental, mas ele vem perdendo o seu terreno. O espírito da nossa época (Zeitgeist) é o desabrochar da Metáfora na sociedade. Você mesmo pode constatar isso: o atual presidente dos EUA é negro; união civil para pessoas do mesmo sexo em países com tradição cristã antigay pesada, caso de Portugal, da Argentina e do Brasil, entre outros. Pela primeira vez temos uma mulher na Presidência do Brasil (e pensar que há 100 anos atrás elas não podiam nem votar). Até os animais estão tendo seu espaço, como no exemplo recente de proibição de touradas em uma cidade espanhola. Inúmeras outras minorias têm agora o seu espaço e sua voz finalmente é ouvida, depois de tantos milênios sendo abafada e sufocada. Mas é claro que não quer dizer que esteja havendo uma "vitória" da Metáfora sobre o Conceito.
Até encontrarmos o equilíbrio entre essas forças, ainda haverá muita pancadaria. Veja o caso da política do Brasil, onde cada vez mais a Bancada Evangélica domina o Congresso. O Conceito quer dominar tudo, e não suporta ver a Metáfora tendo o seu espaço na sociedade. Ficaram tão inconformados com a decisão do STF de reconhecer a união civil entre homossexuais que decidiram se unir e tentar passar uma lei para que seus grupos religiosos possam declarar inconstitucional qualquer lei nova aprovada que contrarie os seus preceitos.
Mas a Metáfora é inevitável porque não existem Verdades Eternas e Imutáveis; tudo isso aí que se se diz como Verdade não passa de ficção. Hoje tem-se algo como fato comprovado e irrefutável; amanhã veremos que estávamos enganados. O homem está lançado num mundo sem nomes, no qual não tem acesso à verdade das coisas, então ele inventa nomes, batiza as coisas. Toda a questão clássica sobre a Metáfora é a questão de uma certa proximidade ou adequação à verdade. Mesmo palavras que chamamos de Conceito são Metáforas, pois a linguagem é uma Metáfora que transforma objetos e ideias em sinais sonoros e visuais.
“Valores foi somente o homem que pôs nas coisas, para se conservar – foi ele somente que criou sentido para as coisas – um sentido de homem!”, diz Nietzsche em Assim Falava Zaratustra. Em outra passagem ele diz: “Não foram os nomes e os sons dados às coisas para o homem se recrear com elas?”. O homem precisa inventar e se acordar quanto à adequação desses nomes, senão ele não se comunicaria, viveria isolado. O problema é que com o passar do tempo, o acordo se esquece da sua origem acordada, e passa a se achar imediatamente adequado a uma verdade. O acordo apaga o seu passado metafórico, e passa a acreditar que não é Metáfora. O grande problema é o esquecimento da originalidade da Metáfora.
Pensa-se que o Conceito é "a coisa em si", mas não é... Tudo que se auto intitula Verdade Eterna e Imutável é ignorância. Não temos acesso a coisa em si. Ela existe, é claro, mas nós nos esquecemos da nossa origem e não temos mais acesso a ela. Tudo é ficção, tudo é historinha. Tudo que falamos e pensamos são apenas sobre os fenômenos cosmológicos. Não sabemos nada sobre nossa origem metafísica, e não fazemos ideia de "por que há simplesmente o ente e não antes o Nada". Não podemos levar a sério quem diz que "encontrou o caminho e a verdade". Quem crê assim não passa de um iludido! O Conceito finca-se como verdade imutável, mas verdades imutáveis não existem. A vida em si é mudança constante. Vivemos num mar de Metáforas, de transformações.
Nietzsche, em Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extramoral, explica melhor: “O que é a verdade? Um batalhão móvel de Metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma soma de relações humanas, que foram enfatizadas poética e retoricamente, transpostas, enfeitadas, e que, após longo uso, parecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: as verdades são ilusões, das quais se esqueceram que o são, Metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível (...). Tudo o que destaca o homem do animal depende dessa aptidão de liquefazer a Metáfora intuitiva em um esquema, portanto de dissolver uma imagem em um Conceito. Cada Metáfora intuitiva é individual e sem igual e, por isso, sabe escapar a toda rubricação. O Conceito é somente um resíduo da Metáfora”.
A religião estanca o progresso porque a dúvida é ilusoriamente aniquilada em nome de um Conceito firme e seguro, mas ninguém sabe de porra nenhuma. Por isso devemos destruir todos os Livros Sagrados, os grandes responsáveis pela existência do Conceito que sufoca a Metáfora. Alguma dúvida de que eles são o grande entrave da humanidade?
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