Edição #16
Lisboa, 2011
“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”
Nas últimas semanas, passamos por importantes mudanças no Brasil. Por um lado, tivemos políticos e pastores evangélicos que se posicionaram contra a união homoafetiva no Brasil. Por outro, alguns juízes proibiram a realização de algumas Marchas da Maconha, pois pelo seu entender, elas eram apologia às drogas. Eu já estava ficando desanimado em ser brasileiro. Achava que estávamos todos nas mãos desses ignorantes fundamentalistas. Mas qual não foi a minha surpresa ao ver que o Supremo Tribunal Federal está acima de toda essa mediocridade e, livre de todos os dogmas, julgou com justiça esses casos... Confesso que tive "orgasmos intelectuais" ao ouvir seus discursos sobre tais questões. É muito bom saber que, no meu país, não estamos totalmente nas mãos de Garotinhos e Bolsonaros da vida. Os ministros do STF provaram ser muito esclarecidos e, com seus argumentos inatacáveis, derrubaram os preconceitos de cunho pseudo-moralista e religioso dos que queriam manter o Brasil na obscuridade. Estamos falando aqui de juízes "top de linha." Seus discursos foram uma aula de civilidade, que todos deveriam ler. Por isso resolvi fazer essa homenagem aqui no Tranzine a eles, transcrevendo parte de seus discursos. Já pensou se todos os políticos brasileiros fossem como eles? O Brasil seria o país mais avançado do mundo...
UNIÃO HOMOAFETIVA
Por unanimidade, o STF manifestou-se a favor do reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo em 05 de maio de 2011. Numa atitude absolutamente desrespeitosa ao STF, o juiz Jeronymo Pedro Villas Boas, que também é pastor evangélico, desobedeceu a decisão do STF e mandou anular o contrato da primeira realização de união homoafetiva feita em seu cartório, em Goiânia, dizendo que o STF havia desrespeitado a Constituição. Mas ele ignorou que o STF é a maior instância brasileira, estão acima até mesmo do presidente, e eles são os mais indicados para interpretarem a Constituição, que só reconhece a união entre homem e mulher, mas ao mesmo tempo não proíbe a união entre pessoas do mesmo sexo, por isso a decisão do STF não feriu a Constituição. E se até o Collor, um ex-presidente, não teve autoridade para desobedecer a uma decisão de impeachment do STF, quem é esse juiz para desobedecer?... Obviamente a sua anulação não surtiu efeito além de proporcioná-lo seus quinze minutos de fama. A decisão do STF é soberana. Eis aqui alguns dos argumentos usados pelos ministros para legitimarem a união homoafetiva no Brasil:
LUÍS ROBERTO BARROSO, JURISTA:
"O que vale da vida são os nossos afetos. O amor e a busca pela felicidade estão no centro dos principais sistemas filosóficos e no centro das principais religiões. Pede-se que este tribunal declare que qualquer maneira de amar vale a pena. Ninguém deve ser diminuído nessa vida pelos afetos e por compartilhar os seus afetos com quem escolher. A liberdade significa poder fazer aquilo que a lei não interdita. E a liberdade é a autonomia privada, é o direito de cada pessoa fazer as suas valorações morais e fazer as suas escolhas existenciais."
AYRES BRITTO, MINISTRO:
"O órgão sexual é um plus, um bônus, um regalo da natureza. Não é um ônus, um peso, um estorvo, menos ainda uma reprimenda dos deuses. Não há nada mais privado aos indivíduos do que a prática de sua própria sexualidade. A liberdade para dispor de sua própria sexualidade insere-se no rol de liberdades do indivíduo, expressão que é de autonomia de vontade. Esse direito de explorar os potenciais da própria sexualidade tanto é exercitado no plano da intimidade, quanto da privacidade, pouco importando que o parceiro adulto seja do mesmo sexo ou não."
ROBERTO GURGEL, PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA:
"O indivíduo heterossexual tem plena condição de formar sua família, seguindo as suas inclinações afetivas e sexuais. Porém, ao homossexual, a mesma possibilidade é denegada, sem qualquer justificativa aceitável. Não há dúvidas sobre a proibição constitucional de discriminações relacionadas à orientação sexual. A falta de legitimidade das uniões homoafetivas gera preconceito e reduz essas pessoas a uma condição inferior a das demais. É um estigma que explicita a desvalorização do modo de ser do homossexual, rebaixando-o à condição de cidadão de segunda classe. Privar os membros de uniões afetivas desses direitos atenta contra sua dignidade, expondo-os a situações de risco social injustificável, em que pode haver comprometimento de condições materiais mínimas para a vida digna. O fato de que a Constituição reconheça a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar não implica necessariamente que a Constituição não assegure o reconhecimento da união das pessoas do mesmo sexo."
LUIZ FUX, MINISTRO:
"A homossexualidade não é um câncer, não é uma ideologia, e muito menos uma opção de vida. A união homoafetiva é um fato da vida, é uma realidade social."
CÁRMEN LÚCIA, MINISTRA:
"A escolha da união homoafetiva é individual, íntima e, nos termos da Constituição, manifestação da liberdade individual. Aqueles que fazem opção pela união homoafetiva não podem ser desigualados em sua cidadania."
MARCO AURÉLIO MELLO, MINISTRO:
"A família é uma construção cultural. A afetividade por outrem do mesmo sexo compõe a individualidade da pessoa de modo que se torna impossível, sem destruir o ser, exigir o contrário. O Estado existe para auxiliar os indivíduos nos respectivos projetos individuais de vida."
GILMAR MENDES , MINISTRO:
"O fato de a Constituição proteger a união estável entre homem e mulher não significa negativa de proteção à união civil ou estável entre pessoas do mesmo sexo. Reconheço a existência dessa união."
CELSO DE MELLO, MINISTRO:
"Este julgamento permitirá a plena realização da liberdade, da igualdade e da não discriminação. É um julgamento que marcará o país. A Justiça é laica. Posturas preconceituosas ou discriminatórias geram grandes injustiças. Os Estados devem assegurar a todos o direito de constituir família, inclusive pela adoção e por inseminação."
MARCHA DA MACONHA
O STF decidiu em 15 de junho de 2011, por unanimidade, pela liberação da Marcha da Maconha. O Supremo levou em conta que a proibição do movimento ameaçava a liberdade de expressão e não fazia apologia ao uso de drogas. Em maio, a Justiça havia proibido manifestações pela legalização do uso de maconha em pelo menos nove capitais. Em São Paulo, a Marcha foi proibida pelo desembargador Teodomiro Mendez, e houve forte repressão policial. Felizmente o STF intercedeu a favor da livre manifestação de opinião. Ainda não é o bastante, mas ainda assim venceu a democracia:
DEBORAH DUPRAT, VICE-PROCURADORA:
"A liberdade de expressar opiniões é um pressuposto para o funcionamento da democracia. Os juízes, ao proibirem esse tipo de manifestação, usam 'argumento equivocado' de que seria apologia ao crime e estímulo ao uso de substâncias ilícitas. O artigo 287 do Código Penal deve ser interpretado conforme à Constituição, 'de forma a excluir qualquer exegese que possa ensejar a criminalização da defesa da legalização das drogas, ou de qualquer substância entorpecente específica, inclusive através de manifestações e eventos públicos'. A restrição à liberdade de expressão viola um princípio fundamental da ordem constitucional. A liberdade de expressão é um 'metadireito', pois é a base para que se verbalize e exerça os demais direitos. Não cabe ao estado fazer juízo de valores sobre a expressão do indivíduo."
CELSO DE MELLO, MINISTRO:
"Nada se revela mais nocivo e perigoso que a pretensão do Estado de proibir a livre manifestação. Deodoro da Fonseca, primeiro presidente da República, mandou reprimir as reuniões de capoeiristas, considerada crime na época. Hoje, a roda de capoeira é considerada pelo Iphan patrimônio imaterial do Brasil. O Estado não tem o direito de proibir o exercício do livre pensamento, um pressuposto garantido na Constituição Federal. Impõe-se ao Estado numa sociedade democrática respeitar o direito de reunião. O pensamento deve ser livre, sempre livre, permanentemente livre. O princípio majoritário não pode legitimar a supressão, a frustração, a aniquilação de direitos fundamentais, como o livre exercício do direito de reunião e da liberdade de expressão, sob pena de descaracterização da própria essência que qualifica o Estado Democrático de Direito. As minorias também possuem o direito de reunião, fundamental para a divulgação de suas ideias. Mesmo que sejam opiniões desagradáveis, debochadas ou mesmo impopulares. No caso da Marcha da Maconha, do que se pode perceber, não há qualquer espécie de enaltecimento, defesa ou justificativa do porte para consumo ou tráfico de drogas ilícitas, que são tipificados na vigente lei de drogas. Ao contrário, resta iminente a tentativa de pautar importante e necessário debate das políticas públicas e dos efeitos do proibicionismo. O Estado não possui poder algum sobre as ideias, os pensamentos e as opiniões do cidadão. O direito de falar, pensar e escrever livremente, sem censura, representa o mais precioso privilégio do cidadão. Incitação ao ódio e ao preconceito, porém, não se inclui nessa proteção."
MARCO AURÉLIO, MINISTRO:
"A interpretação de que a defesa da descriminalização é apologia às drogas se choca com a liberdade de expressão. O próprio conceito do que é crime varia. Quantos heróis nacionais não eram criminosos de acordo com a lei do tempo em que praticaram seus atos? É preciso proteger mesmo as manifestações que incomodem a maioria das pessoas. A liberdade de expressão não pode ser tida como direito de falar livre o que as pessoas querem ouvir ou aquilo que lhes é indiferente. Definitivamente não. Liberdade de expressão existe para proteger as manifestações que incomodam agentes públicos e privados, capazes de provocar reflexões. O direito de expressão age para impedir que o Estado trate uma determinada opinião de forma favorável ou desfavorável."
AYRES BRITTO, MINISTRO:
"Não é possível censurar uma manifestação antes mesmo de sua realização. Não se pode confundir a criminalização da conduta com o debate da própria criminalização. A liberdade de expressão é a maior expressão da liberdade. É lícito discutir qualquer tema."
RICARDO LEWANDOWSKI, MINISTRO:
"Marcha é uma reunião em movimento, portanto, protegida pelo direito. O conceito de droga no mundo não é uniforme. Durante a Lei Seca, nos Estados Unidos, o álcool era proibido e duramente reprimido."
MARCOS MACHADO CHAIBEN, ADVOGADO DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS SOCIAIS DO USO DE PSICOATIVOS:
"A origem da proibição da maconha foi um processo de segregação contra a população negra, onde seu uso seria mais disseminado. O modelo proibicionista não atingiu seu objetivo. Os efeitos da guerra às drogas são danosos. 'Entre a liberdade e a restrição, deve-se defender a liberdade' (citando o falecido ministro Carlos Alberto Mendes Direito no julgamento da Lei de Imprensa)."
LUCIANO FELDENS, ADVOGADO DO INSTITUTO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS CRIMINAIS:
"O Artigo 5 da Constituição diz que 'todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização. (...) Se um partido político que incluísse em seu programa a descriminalização, também estaria incorrendo em apologia ao crime? Conclamo o STF a dizer um não ao ódio e à violência praticada por policiais em passeatas."
CARMEN LÚCIA, MINISTRA:
"Marchas como essa mostram a necessidade de tolerar, discutir e chegar a um novo consenso. Não há democracia intolerante. Não se deve temer palavras. 'Ai, palavra, que estranha potência a vossa' (citando Cecília Meirelles)."
CEZAR PELUSO, MINISTRO:
"O governo não pode proibir expressões verbais ou não verbais apenas porque a sociedade as considera ofensivas ou contrárias ao pensamento dominante."
O que você acha sobre o casamento homoafetivo e a marcha da maconha?
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