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Linhas abstratas
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Edição #14
Lisboa, 2011

Vocês já pararam para pensar em como somos uma geração privilegiada no campo da música? Se formos nos comparar com todas as outras as gerações, tanto as que já passaram pelo planeta quanto as que ainda estão por vir, vivemos realmente numa época muito especial...

Talvez alguns poderão até achar "sem noção" a ideia de que vivemos uma era de ouro musical, com o tanto de lixo sendo produzido, onde quem está no mainstream é apenas um produto de joguetes de empresários musicais, e onde a cultura pop descartável e achatante domina cada vez mais o cenário. Mas vocês só estão olhando o lado ruim da coisa... Não podemos esperar que não haja uma sombra acompanhando a parte iluminada. Tem muito lixo sendo produzido hoje em dia? Tem. Mas tudo que é produzido é lixo? Não. A boa música nunca vai acabar completamente. Você com certeza tem seus artistas prediletos. Se nenhum deles é contemporâneo, é porque você tem preguiça de pesquisar. Então, a gente tem consciência de que existe muito lixo, mas não precisamos ouvi-los. Simples assim. Basta ignorar e pronto, você só fica com a produção boa. Esses artistas de arte-produto-descartável não merecem nem mais uma linha do meu tempo e da minha atenção. Quero falar aqui sobre a parte iluminada, realçada por essa sombra coadjuvante.

O que quero dizer é que foram milhares e milhares de anos sem que as pessoas pudessem ouvir música em casa relaxando, a não ser que tocassem ou tivessem alguém para tocar um instrumento musical para elas. É um fato que a música sempre acompanhou a humanidade, desde os seus primórdios, mas hoje temos muito mais acesso a ela do que antes. Na Grécia Antiga, as pessoas celebravam a vida nas festas dionisíacas, com todos dançando e se divertindo, mais ou menos como é o Carnaval hoje em dia. Na Europa Medieval, quando grupos de músicos se reuniam e saíam pelas cidades tocando sua música pelas ruas, as pessoas saíam de suas casas e acompanhavam o grupo, um tipo de Banda de Ipanema medieval... No Oriente também sempre houveram rituais para os deuses hindus e outros regados a muita música. Mas era só assim que essas pessoas podiam ouvir música naquela época. Com exceção da realeza, as pessoas em geral ficavam muito tempo sem ouvir música. Elas só podiam ouvir em ocasiões especiais, como em festivais, ou então em missas nas igrejas, no Ocidente, sempre com aquele ranço de católico sofredor. Fora isso, só tendo um instrumento mesmo. A grande maioria dass pessoas mal sabia escrever, muito menos tocar um instrumento, então era uma minoria mesmo que podia se dar ao luxo de aprender a tocar um instrumento. Hoje em dia é possível ouvir música da hora em que acordamos até a hora em que vamos dormir. Podemos ir para a cama com música suave tocando baixinho, para nos ajudar a pegar no sono... Temos centenas de diferentes instrumentos musicais para o nosso deleite. O computador permite produzir música eletrônica com uma infinidade de sons artificiais.

TAGS: culturamúsica

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“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”

A partir do século 18 houve um crescimento no tempo em que as pessoas ouviam música, por causa de uma intensificação na cena musical da Europa. Foi a primeira popularização da música, com o advento do Renascimento; surgiram em seguida grandes compositores como Mozart, Händel, Bach, Beethoven, entre outros. O cravo e o piano se popularizaram e muitas casas tinham esses instrumentos, principalmente na Inglaterra vitoriana. Um amante de música podia agora ouvir música todos os dias, se quisesse, mas ainda assim teria que saber tocar um instrumento ou ir em algum evento, como um festival ou uma ópera. Foi só mesmo no início do século 20 mesmo que a humanidade finalmente passou a poder ouvir música na hora em que quisesse sem ter que tocar ou ouvir outras pessoas tocando ao vivo, e isso se deu graças à invenção da música mecânica, i.e., música gravada em cera, depois em vinil, posteriormente em fita-cassete e mais recentemente em CD, culminando na tão difundida música digital de hoje em dia nos formatos mp3, wma, m4a e por aí vai, sendo que podemos ter de graça quase todas as músicas que desejamos, bastando procurar por elas em programas de compartilhamento de arquivos, sem contar com as plataformas de streaming. Hoje podemos ouvir só as músicas que gostamos, e nem temos mais que comprar um álbum inteiro só por causa de uma música; hoje você baixa ou ouve em streaming um álbum inteiro e só ouve ou baixa (pagando ou gratuitamente) as músicas que realmente gosta. Até o final do século 20, ou você comprava o disco do seu artista predileto, ou então se submetia à programação das rádios, que quase sempre eram (e ainda são) baseadas em jabá, portanto um gosto musical duvidoso era formado por quem só ouvia (ouve) rádio... Nossa geração também foi introduzida ao walkman e posteriormente a mp3 players como o iPod: podemos ir aonde quisermos acompanhados de nossas músicas favoritas.

Nossa geração é mais privilegiada até mesmo do que a de 10 anos atrás, quando ainda não havia o mp3. Teríamos que gastar milhares de dólares até então para ter a biblioteca que temos hoje em dia, em nossos computadores... Agora temos a internet que nos dá acesso a quase tudo (e justiça seja feita, graças ao inventor do Napster, Shawn Fanning).

 

Através de sites como Wikipedialast.fmSoundcloud4shared.com ou de aplicativos como o iTunes e o Soulseek, além de podcasts e blogs de música, temos farta disponibilidade de informação e acesso imediato a (quase) toda cena musical do mundo, e assim conseguimos estar inteirados sem ter que ser influenciados pela opinião da grande mídia, quase sempre corrompida por interesses, monetários ou não. Hoje também podemos trabalhar ouvindo podcasts musicais no nosso computador, e também podemos sair pelas ruas, viajar carregando conosco todo o nosso repertório, literalmente milhares de músicas acessíveis imediatamente, e isso tudo é realmente muito recente. E apesar de atualmente vivermos uma grande crise na indústria fonográfica, essa crise se restringe somente à indústria fonográfica mesmo, pois ela não fez com que houvesse menos produção; muito pelo contrário, nunca foi tão fácil produzir e divulgar música. Aliás, é exatamente essa fartura - que existe muito graças à internet - a originadora dessa crise na indústria.

Há quem critique que essa fartura toda tenha matado o prazer que havia em comprar discos em lojas - até o fim dos anos 80, havia toda uma mística em torno do descobrimento de novos artistas; amigos iam na casa um do outro para ouvir seus discos novos, e hoje em dia já não há mais isso. Não nego que esse "ritual" era muito interessante, mas não dá para ficar no mesmo esquema para sempre, né?... E essa nostalgia certamente não é sentida pela geração mais nova.

E por que seríamos nós mais privilegiados do que as futuras gerações? Bem, pode até ser que a tecnologia torne ainda mais fascinante a "arte de ouvir música": num futuro que talvez nem esteja tão longe assim, os caras com certeza vão inventar parafernálias fascinantes, como implantes de chip onde você ao pensar em determinada música, ela começará a tocar na sua cabeça com um som cristalino e na altura que você desejar. (Hm... será que viajei muito na maionese agora?, rsrs). Cara, acho que é possível algo assim no futuro sim... Mas o grande diferencial entre nossa geração e as futuras é que só nós vivemos a época do surgimento da popularização da contracultura na música, com o surgimento de grandes estilos musicais, como o rock, o jazz, a bossa nova e a música eletrônica, entre outros, que apesar das inúmeras sentenças de morte pelas quais já passaram (principalmente o rock), devem permanecer por aí para sempre. Esses estilos foram a diferença do 0 para 1, por isso são um grande marco.

Até meados dos anos 50, o tipo de música que as pessoas ouviam tinha outro padrão: era mais careta, cristão, enquadrado no sistema. Foi só com artistas como Little Richard e Elvis Presley, no final dos anos 50, que a rebelião e a contestação passaram a figurar na música - inspirados em Beethoven e Mozart, que também eram considerados subversivos na sua época. Mas na época deles, relativamente poucos tiveram o privilégio de ouvir sua música. Os anos 60 foram realmente o início da popularização da contracultura na música.

Mesmo não tendo vivido nos anos 60, ainda assim tive o privilégio de ver o Rolling Stones ao vivo em Copacabana no início da década passada. E ainda estão vivos grandes músicos como Paul McCartney, Mick Jagger, Iggy Pop, Ozzy Osbourne (pelo menos até o dia em que escrevi esse texto...). O punk-rock e os Sex Pistols estouraram quando eu ainda usava fraldas, mas vi o Sex Pistols ao vivo no Rio em 96. Também vi ao vivo o Nirvana, que simplesmente deu um shift no rock como era feito até então e mudou para sempre o modo de fazer rock. E presenciei o estouro da música eletrônica nos anos 90. Fui nas primeiras festas de techno e de electro que rolaram. Vi o nascimento do trance e o surgimento das raves. Vi ao vivo a apresentação de um dos precursores da música eletrônica, o Kraftwerk. Cresci ouvindo os recém lançados discos (na época) do rei do pop, Michael Jackson. Já os Mutantes voltaram à ativa. Isso sem falar que presenciei o surgimento de vários outros estilos musicais, como o industrial, hip hop, shoegaze, downtempo, disco punk, etc. É ou não é uma golden age pra quem curte música???

É claro que foi um grande privilégio para as pessoas dos séculos passados ver concertos ao vivo de Beethoven e Mozart. Uma época de ouro, com certeza. Também é óbvio que ainda surgirão inúmeros outros grandes momentos na história da música no futuro. Mas considero a geração atual como a mais sortuda de todas porque, comparando com as gerações passadas, agora temos muito mais acesso à música. E comparando com as gerações futuras, foi a nossa geração quem primeiro conseguiu popularizar a contracultura na música, e isso vai mudar para sempre o modo de se fazer música daqui para frente, não tem como não influenciar. É como uma árvore genealógica. Podemos dividir a música popular entre "antes da década de 1960" e "depois da década de 1960". E se sou contemporâneo dos caras que fizeram essa revolução contracultural dos anos 60, considero-me um cara sortudo. E quero aproveitar cada minuto dessa época... 😉

E aí, concorda com o texto?
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