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Linhas abstratas
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Edição #15
Lisboa, 2011

TAGS: ativismoculturalugares

Tenho um amigo brasileiro que é designer. Algum tempo atrás o seu agente lhe informou que havia um empresário da indústria de cozinhas interessado no trabalho dele, e que pediu para que ele desenhasse uma cozinha "conceitual" para vender na sua loja. Ele então fez um projeto super diferente, e mostrou para o seu agente, que achou a sua proposta fantástica. "Ficou sensacional, cara! Classe A. Ele vai adorar!". Então mostraram o projeto da cozinha para o empresário. Ele reconheceu que a cozinha era de alto nível. "É realmente muito boa... mas para Milão!". Então disse que aquela cozinha era "demais" para a loja dele, no sentido de que ele não acreditava que ela conseguiria ser vendida no Brasil (estamos falando de São Paulo, a quarta maior metrópole do mundo), mas admitiu que se ela fosse exposta na Feira de Milão, iria com certeza ter mais chances de fazer sucesso. Em seguida, pediu para o designer "pegar mais leve", "baixar a bola" na sua criação artística, e que voltasse com algo "mais capial" (ele não usou essa palavra, mas na prática era isso que ele queria, um produto para ser vendido para mentes capiais, não para mentes vanguardistas).

 

Meu amigo ficou muito decepcionado, mas decidiu fazer novas versões, e foi "podando" a cozinha, até chegar a um ponto totalmente padronizado, sem novidade nenhuma, e aí sim o empresário topou produzi-la. Mas aí ele não queria mais estar associado àquele projeto - "Se é pra fazer uma cozinha comum, que chamem então um designer qualquer, eles não precisam de mim", ele disse, e então não quis mais dar continuidade. O resultado é que ele fez uma cozinha de alto nível, mas não conseguiu mercado para a produção dela no Brasil, porque o mercado brasileiro não comporta nada que "saia da linha".

Para serem bem sucedidos comercialmente no Brasil, os profissionais criativos - artistas, designers, músicos, escritores - devem se "adaptar" à limitação do mercado e só conseguem se sobressair se mediocrizarem a sua criação artística. Quanto mais padronizado, mais chances de atingir as massas. Cúmulo do cúmulo: o profissional criativo não pode ser criativo! O Brasil é adepto do "mesmismo": o sucesso vem mais fácil para quem não ousa, quem produz sempre mais do mesmo. Não só o designer, mas todo profissional criativo é tolhido na sua capacidade criativa no Brasil. Quanto mais inovador, mais isso assusta a classe média padrão. Se a sua obra for muito criativa, não terá mercado no Brasil e sofrerá até mesmo rejeição. Isso porque esse artista vê que o nível no Brasil é realmente muito primário, então tenta dar uma elevada no nível, demandando e trazendo mais qualidade, mas o que acontece? As pessoas acham que ele está ficando "metido", que pensa que é "melhor que os outros", e que deve "baixar a bola, porque aqui no Brasil o buraco é mais embaixo".

Depois de anos de tentativas infrutíferas de dar vazão à sua força criativa, ao ponto de meu amigo começar a ficar doente emocionalmente, ele resolveu ir para a Europa mostrar seu trabalho. Mostrou para os empresários italianos os mesmos desenhos que havia mostrado para empresários brasileiros - estes mesmos que disseram que aqueles desenhos eram "avançados demais" para a loja deles e que eram inviáveis para o mercado brasileiro; já na Itália, todos os empresários ficaram muito entusiasmados com os desenhos e os mesmos já estão sendo projetados, isso tudo em menos de um ano (e olha que a Europa está em crise, hein!).

Na Itália, as crianças são desde cedo constantemente levadas em excursões de escola para museus, e desde então já têm contato com essa cultura, já crescem inseridas nesse contexto, e quando chegam à idade adulta, sabem no geral apreciar um bom trabalho de design, enquanto no Brasil as pessoas não têm a menor ideia de como diferenciar um design comum de um design realmente bom.

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“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”

Meu amigo disse que foi numa grande fábrica de produção de metais sanitários no sul do Brasil e o dono da fábrica lhe mostrou uma sala onde ficam os "criativos" da sua empresa, e qual não foi a sua surpresa ao constatar que o trabalho dos tais "criativos" é simplesmente desmontar produtos estrangeiros em cima de uma grande mesa e literalmente copiar o seu design... As suas cópias conseguem então uma grande quantidade de vendas no Brasil, porque, pelo fato de serem cópias de produtos europeus bem sucedidos, pela lógica desse empresário (e de tantos outros), então as suas cópias farão necessariamente sucesso no Brasil também.

O empresário da fábrica que ao invés de contratar profissionais criativos, contrata copiadores de produtos europeus, faz isso simplesmente porque ele tem um certo complexo de "subalterno" e tem a tendência de não valorizar nada da sua terra. Ele e muitos outros vão buscar antes o aval do well-established no estrangeiro, e aí sim concordam em produzir aquilo. Isso é fruto de um país com um passado colonialista, acostumado a dar valor ao que vem da Matriz e a desprezar o que é feito localmente.

Mas não é resquício só de colonialismo não. Também é fruto de duas décadas de ditadura, onde criou-se uma cultura de que o que "sai da linha" deve ser reprimido. Isso ainda encontra-se impregnado na psiqué dos brasileiros, principalmente os que viveram no regime da ditadura, mas atinge também os que nasceram depois dela, porque cresceram numa sociedade recém-saída daquele regime. Não serão em poucos anos que essa chaga será fechada. Ainda vai levar mais algumas décadas para o Brasil conseguir sair desse estigma de criar oposição a tudo que queira voar mais alto.

No Brasil, caro colega criativo, tem sempre um puxando a sua corda, não deixando o seu balão subir alto demais... Este cerceamento à criatividade artística não poderia deixar de afetar - e fortemente - a música. Praticamente todos os músicos que conseguem fazer sucesso comercial no Brasil fazem músicas... comerciais! 

Virou uma fórmula: faz aí uma musiquinha nheco-nheco pasteurizada, que milhões de mentes acéfalas irão consumi-la. Ponha só um pouquinho de pensamento ou inovação no seu trabalho e coma o pão que o Diabo amassou!

A regra no Brasil é: PADRONIZAÇÃO. Essa coisa de ousar é para os gringos... No Brasil as pessoas têm medo de ousar. Falta visão ao que tem potencial. Não existem visionários. Ninguém está preparado. A submissão ao que vem de fora é quase total. A mídia diariamente empurra merda para as pessoas consumirem, pois aquele merda no seu cérebro é como uma droga que as impede de pensar, e assim aceitam passivamente tudo que é "vendido" para elas. Suas mentes estão "engessadas", têm como que uma parede, uma cerca ao seu redor que impede que os seus pensamentos possam ir mais além. Assim, essas pessoas tornam-se medíocres, tem uma vida cultural pobre, para não dizer miserável. O Brasil é um grande mar de Homer Simpsons, aquele tipo de gente que fica engordando no sofá vendo Jornal Nacional toda noite e acreditando que aquilo que elas ouvem é verdade. Elas nunca têm acesso ao que é Bom, e o resultado é que praticamente tudo no Brasil é de má qualidade, é malhado, é de qualidade inferior. Um exemplo: os produtores de café selecionam os melhores grãos de café e enviam para outros países, e os brasileiros ficam com o que sobra. Prioridades...

O Brasil precisa urgentemente investir em educação, senão ficará para trás no cenário cultural mundial. É vergonhoso e humilhante ver que a mediocrização reina cada vez mais no Brasil, e que, para ser bem sucedido, você precisa "baixar a bola"...

Vão se foder todos vocês que direta ou indiretamente quiseram que eu me padronizasse!!!

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