Esta é a receita do fotógrafo Oliviero Toscani para melhorar o mundo. Em entrevista originalmente concedida para a revista Trip, o ex-publicitário da Benetton critica o ativismo soft.
por Ivan Marsiglia
“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”
Você deixou a Benetton depois de cuidar da publicidade da marca por 18 anos. Como você avalia a experiência?
Toscani - Bem, eu não destruí a Benetton por fazer isso... O que valeu a pena foi saber que uma empresa, ao fazer esse tipo de publicidade, ainda funcionaria economicamente. E funcionou, porque senão a Benetton nunca faria. As empresas só se metem num projeto porque dá dinheiro. Estão pouco se fodendo para os direitos sociais. As empresas nunca são politicamente corretas. Elas só estão interessadas no lucro.
Havia mesmo uma atitude política em seu trabalho na Benetton?
Toscani - Não só lá, mas em toda a minha vida. Essa é uma pergunta estranha, porque até a pessoa mais burra tem atitude política. As mulheres que só vão aos shoppings fazer compras têm uma atitude política...
As suas campanhas provocaram muita discussão na sociedade. Eram "política grande", e não essa pequena que você está falando.
Toscani - Bem, há ação política boa e ação política ruim, assim como há ações grandes e pequenas. Claro, propaganda, no geral, é uma visão política. A única diferença é que é uma visão política burra.
A sua propaganda se inclui nessa definição?
Toscani - A única diferença é que a minha é reconhecida como não tão estúpida quanto o normal (risos).
Você acredita que uma empresa possa ter lucro tomando atitudes socialmente responsáveis?
Toscani - A Benetton é uma prova. Mas a verdade é que, no fundo, as empresas não ligam. Elas querem é fazer dinheiro, não importa se as pessoas estão morrendo de fome.
Então a atitude de outras empresas, como a Shell e a Coca-Cola, que têm tomado medidas para proteger o meio ambiente e participado de projetos sociais, também é pura jogada de marketing?
Toscani - Acho que as empresas modernas deveriam ser sociopoliticamente responsáveis, mas os gerentes de marketing não sabem nada disso, não têm conhecimento artístico suficiente. Eles fariam qualquer coisa por dinheiro, até prostituição.
Suas campanhas davam a impressão de que sua ideia era transformar o sistema agindo de dentro dele. Funcionou?
Toscani - Claro que fez diferença. Mas nada muda realmente. Você tenta e faz do seu jeito. Não concordo com o sistema como ele é. Mas o que você quer que eu faça? Também não concordo com o trânsito e fico preso no engarrafamento. Não concordo com a poluição, e sou obrigado a respirar ar poluído. Não concordo com arquitetura ruim, mas ela está em 90% das obras.
Você diria que foi ingênuo ao achar que os executivos de uma grande corporação como a Benetton pudessem levar seu projeto adiante?
Toscani - Não, não fui nem um pouco ingênuo. De uma maneira ou outra, fiz a (revista) Colors e a Fabbrica (escola de criatividade em Treviso, na Itália). Com mais ou menos esforço, mas eu fiz.
Você acha que atingiu todos os objetivos lá?
Toscani - Sei que algumas coisas mudaram com o que fiz. Isso é a evolução. Eu pertenço à evolução, às pessoas que evoluíram. Mas agora vou ter que evoluir de novo. Não ia ficar lá fazendo jingle para a companhia.
Você manteve alguma função na Colors ou na Fabbrica?
Toscani - Larguei tudo. Foi difícil convencer os executivos de que o que eu tinha era um grande projeto, convencê-los de que a Colors era uma grande ideia. Eles não acreditavam, não entendiam. São executivos! (risos)
Você se arrepende de alguma coisa que tenha feito?
Toscani - Não me arrependo do que fiz, mas do que não fiz. Acho que não foi o bastante. Eu deveria ter ido mais longe, sido mais extremo. A única coisa de que realmente me arrependo foi de ter perdido meu tempo falando com executivos. Com esses idiotas. Enquanto existirem executivos, você não poderá fazer muito dentro de uma corporação. Claro que há exceções. Mas, no geral, eles são chatos, vazios, vulgares e desumanos.
Você está em posição privilegiada para falar sobre participação política: foi contemporâneo dos acontecimentos de maio de 1968 e está vendo de perto o "novo ativismo", de Washington, Seattle e Praga. Como compararia essas duas formas de militância?
Toscani - Não dá para comparar. Primeiro, não acredito no ativismo de hoje. Naquela época as pessoas morriam pela causa. É muito diferente.
Você não acha que hoje existem mais instrumentos de pressão política e mobilização, como a internet e o correio eletrônico?
Toscani - Isso não é real, porque nada muda. Nós não vivemos numa democracia. Vivemos sob uma ditadura econômica. Tudo é decidido de acordo com o dinheiro.
Mas há quem diga que o novo ativismo é menos utópico e mais eficiente do que o dos anos 60.
Toscani - Eu acho que não. (O guerreiro Ernesto "Che") Guevara foi assassinado. Era outra atitude. Bullshit que o novo ativismo é mais eficiente! Eles dizem isso porque é a coisa mais fácil de fazer. Eu não acredito que "soft activism" funcione. Chamo isso de "software activism" (risos).
Então você não se sente pertencendo ao "novo ativismo"?
Toscani - Não. Eu pertenço a mim mesmo.
No entanto, você acabou de dizer que o seu trabalho na Benetton fez diferença.
Toscani - É claro que ele ajudou a evoluir. Na verdade, os jovens de hoje são muito mais conscientes do que os de vinte, trinta anos atrás. Eles são até mais inteligentes, têm mais acesso à comunicação, são menos violentos... Enfim, mais suaves (risos). Mas há coisas que você não pode fazer de uma forma tão suave assim. Nós precisamos de "gandhis". Gandhi não era suave: era muito durão.
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No início de 2000, a ONG canadense Adbusters chegou a interferir em seus cartazes e acusá-lo de algo pior do que ser um crítico "suave" do sistema: disseram que suas campanhas se aproveitavam das desgraças humanas para vender roupas.
Toscani - (Irrita-se) Eles são uns conservadores, ultrapassados! Não são modernos. Não entendem essa nova linguagem. Querem manter o mundo com a velha linguagem, o que não tem nada a ver! A Adbusters é formada por publicitários ultrapassados. Eles não vêem diferenças. São apenas pessoas negativas.
Se não é o "software activism" que vai mudar o mundo, quem ou o que vai?
Toscani - Estou esperando pela verdadeira geração que irá mudar as coisas. Faz muito tempo que elas não mudam.
Como você imagina essa nova geração?
Toscani - Ela tem que apresentar a nova linguagem de que esse mundo precisa. A linguagem que nós usamos já não é suficiente. Espero que uma nova geração supere esse sistema e quero estar vivo para presenciar isso. Provavelmente, o que gostaria de ver é um colapso total da economia. Eu iria adorar (risos).
Por quê?
Toscani - Por que não? Se você levar em conta os valores e não o dinheiro, vai ver que está tudo errado. Antes se usava dinheiro para fazer coisas, hoje se faz coisas para ganhar dinheiro. As pessoas querem ganhar dinheiro para parar de trabalhar. Elas odeiam seus trabalhos. Eu não. Eu amo o meu trabalho. Os homens se expressam através do trabalho, não por meio de suas contas bancárias. Quando você visita Roma, vai para ver arte, as grandes obras, não os bancos.
E a bancarrota geral seria a solução?
Toscani - Nós precisamos de um colapso vertical. Quero ver executivos pulando pelas janelas por falta de dinheiro. Me livrar de todas as pessoas estúpidas. Ver todos os engravatados atirando uns contra os outros nas suas mesas (risos). Tomando veneno, pulando pela janela. Temos que nos livrar dessa gente. E rápido.
E como seria o mundo depois do colapso?
Toscani - Se o valor fosse "todo mundo dançar", por exemplo, o Brasil seria o país mais importante do mundo. Seria fantástico! Daríamos valor a outras coisas que não o dinheiro. Imagine se, em vez de dinheiro, tivéssemos a música como valor. Seria um mundo muito mais interessante.
Esta reportagem é para mostrar aos leitores várias maneiras de atuar politicamente. O que você faria para mudar o mundo?
Toscani - Um outro mundo seria bem pior do que este. Só quero me livrar das coisas que fazem mal. Se retiro o lixo, não quer dizer que queira mudar de casa. Não quero mudar o mundo. Ele está bom desse jeito. O único problema é que tem gente que produz muito lixo.
E que conselhos você daria aos jovens brasileiros que querem dar um jeito no "lixo" que existe por aqui?
Toscani - Fale para eles darem uma olhada em volta, e não se satisfazerem com toda a merda que dizem pra você comprar, consumir e usar para ser alguém.