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Linhas abstratas
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Edição #17
Rio de Janeiro, 2011

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“DKANDLE tece paisagens sonoras transcendentes vibrantes e multicoloridas, misturando texturas Shoegaze difusas e reverberantes, meditações Dream Pop hipnotizantes, tons Grunge lamacentos e tensões Post-punk temperamentais, intensificadas com lirismo comovente e vocalizações emotivas e pensativas”

POR QUE O IDEAL DE UM

MUNDO EVANGELIZADO É UTÓPICO?

O que é uma benção? Para o cristão, ser abençoado é ter todos os problemas eliminados da sua vida. Não existe benção maior do que se sentir parte do "povo eleito", que habitará para sempre um Paraíso de delícias onde nunca mais haverá "ranger de dentes, nem morte, nem dor", e todos serão eternamente felizes, perfeitos e sem conflitos. Mas por que o ideal de um Paraíso em eterna beatificação é utópico?

Vivemos na dimensão da dualidade, onde é preciso que exista o oposto, para que aquilo que é possa ser, pois só posso ser o que sou na presença do que não sou. Esta é a dicotomia da vida. Por isso, nunca iremos algum dia "chegar lá", no sentido de afirmar "Pronto, agora nada mais me afeta", porque se chegássemos a essa condição, iríamos aniquilar o progresso. O negativo que o cristão deseja eliminar totalmente da sua vida, não denota necessariamente algo ruim. O negativo é positivo em outra ambientação. Muitas vezes, para que se possa chegar a um objetivo, antes é necessário passar pela sua negação, e aí sim será possível reconhecer a sua autenticidade. Sempre haverá a polaridade entre Bem e Mal, Dor e Prazer, Luz e Sombra, Apolo e Dionísio, Racional e Intuitivo, Conceito e Metáfora. A vida pede mesmo esse equilíbrio. Não dá para eliminar totalmente as coisas más, assim como seria prejudicial se tudo fosse perfeito o tempo todo. Muitas pessoas podem confirmar que a "felicidade em excesso deprime". Passar alguns dias numa praia paradisíaca é maravilhoso, com certeza, mas o que acontece se a vida se resume só a esse Paraíso? Logo ficamos entediados e aborrecidos.

Nossa visão não foge à regra dessa polaridade: as sombras, eternas companheiras da luz, são necessárias para que se realcem as partes iluminadas. Não dá para que tudo seja completamente escuro, pois não veríamos nada e não seria possível o dasein, ou o ex-istir, mas também não dá para que tudo seja totalmente iluminado, pois sem as sombras não perceberíamos os contrastes, as distâncias, os espaços... Processo semelhantes acontece com a audição: sem som, não ouviríamos nada, mas sem o silêncio/intervalo no ritmo da música, ela seria opaca, na verdade um ruído constante e insuportável.

Por esses motivos, o mundo de Bem-Aventurança idealizado pelos cristãos não poderia estar mais afastado da realidade, ao rejeitar completamente as sombras e confundir "santidade" com "amortecimento dos sentidos". Nietzsche considerava o cristianismo como o inimigo mortal da "sabedoria do mundo". O mundo que os cristãos aspiram (seja na Terra ou no céu) é um mundo evangelizado, um mundo de eterna beatificação, com todos perfeitos, sem erros, sem dúvidas, sem agonias, sem contrastes, sem divergências, com todos eternamente adorando o mesmo Deus... (Oh, tédio mortal).

Schopenhauer disse: "Tendo os homens colocado todas as dores, todos os sofrimentos no inferno, para encherem o céu não encontraram mais do que o aborrecimento". O problema é que não existe o menor espaço para a metáfora no mundo cristianizado, pois lá o que não é o Conceito (Jesus) é secundário, sujo, pecaminoso, diabólico, deve ser destruído... E assim, elimina-se a possibilidade de crescimento espiritual, pois o cristão elimina a dialética da sua vida, e vive uma vida onde enxerga tudo "chapado", sem dimensões, sem contrastes, que só são possíveis com as sombras. Os contrastes são necessários para que a imagem se dê como deve ser. Dizer que só existe um meio é atrofiar a mente, o intelecto. Todo caminho - todo mesmo - é válido. Todo sofrimento é causado por nós mesmos, na nossa cabeça, o que impede que se veja que todo problema é um auxílio, não um mal em si.

CRISTO É 'CRISTALIZAÇÃO'

Cada pessoa se forma na vida de acordo com as suas próprias peculiaridades. Cada um tem seu próprio trajeto, sua própria linha de vida. "Quando as vontades se equivalerem e todas desejarem o mesmo", disse Nietzsche em Genealogia da Moral, "quando a ordem jurídica e política for entendida como um meio para a dissolução do conflito entre os indivíduos, nessa altura estarão criadas as condições para a vitória do niilismo. (...) A vida, das suas formas mais simples às mais complexas, é uma dinâmica de desequilíbrios e tensões, uma geração e uma destruição contínuas, uma repetição de perspectivas lutando sem cessar pela supremacia". O mundo é um lugar de contrariedades. Não daria certo tudo sempre "nos conformes", com todos em uníssono adorando o mesmo Deus, sem pecado, sem dor… Você só acha a solução se olhar por outro ângulo. Se olhar sempre pelo mesmo ângulo, não descobre mais nada além daquele ângulo confortável e seguro, mas incompleto. Se ficar só na beatificação, se tornará em uma múmia ambulante.

Tudo que acontece na vida tem o potencial de nos ensinar, mesmo as coisas negativas, mesmo a tristeza, mesmo a dor, mesmo a solidão... Às vezes - aliás, muitas vezes - saímos muito mais fortalecidos depois de uma experiência dolorosa. Se não tivéssemos passado por ela, estaríamos alienados, como faz a massa descerebrada, que confunde alienação com felicidade... Felicidade só é possível aceitando tudo que ocorre em nossa vida. Mas esse processo sempre terá os dois lados da vida, o Bem e o Mal... Não dá pra eliminar totalmente as coisas Más, e seria prejudicial do mesmo modo termos só coisas Boas. A vida pede mesmo esse equilíbrio. O Paraíso Eterno ou o Inferno Eterno são impraticáveis. O Paraíso e o Inferno estão desde sempre dados ao mesmo tempo (os bipolares que o digam...).

O que traz a agonia da era moderna é o apego ao sucesso absoluto: deve-se ser o Máximo e o Melhor em Tudo, ser Infalível, Inalcançável, Sem Defeitos... Mas pobres dos que acreditam que podem ser felizes projetando essa imagem o tempo todo, querendo estar sempre no topo... Quem age assim tem sofrimentos infernais ao ser picado por um mero mosquito, pois perdeu o costume de sentir como é viver no mundo real. As dores servem para prevenir que, se você não mudar a sua orientação, elas aumentarão... Não é que tenhamos que desejar a dor, geralmente queremos evitá-la, mas não deveríamos nos revoltar contra ela também. A dor educa. Essa é a coragem que precisamos para ser o que somos - aprender com o que a vida oferece e tirar o melhor proveito daí. (O ponto é: falar isso é muito fácil; mas na prática... Aí é que a coisa pega... Bem, mas pelo menos, tendo essa consciência, as chances serão maiores de conseguirmos nos manter em pé).

Até o mar fica revolto, e isso sempre acontece, de tempos em tempos. Querer aniquilar o sofrimento é o mesmo que esperar que todas as praias do mundo se tornem calmas para sempre, e nunca mais haverá maremotos. Mas será que o mar revolto é algo necessariamente ruim? O ecossistema se desequilibra porque o ar está em constante fluxo: o Sol gera os ventos, porque faz com que o ar se esquente em certas partes, o que cria correntes de ar - isso é um processo eterno, portanto, o mar nunca deixará de ser revolto de vez em quando. Faz parte da natureza, é assim que é. Mas é importante frisar, o mar revolto não é um mal em si, ele apenas é um meio que a natureza encontra para tentar reequilibrar o ecossistema. Ou seja, é um "mal necessário". Por que não havemos mais de ter mares revoltos dentro de nós? Como seria possível eliminar isso? Deveria isso ser eliminado através de pílulas e ascetismo? Ascetismo é renunciar aos prazeres do mundo; mas o dasein só existe na experiência. Sem angústias e tempestades internas, você não tem a dimensão do que significa serenidade e calmaria. Como vou saber o que é paz se não souber o que é o seu oposto? Para ser purificado, é preciso estar impuro antes. Para se encontrar, é preciso estar perdido antes.

Mas um cristão poderia argumentar: "A questão é essa, a purificação ocorre após o pecado, mas o fim é sempre a purificação". Sim, mas o cristão acha que, estando salvo, eliminará todas as negatividades da sua vida. Mas a natureza não funciona sem o equilíbrio entre forças opostas. É simplesmente inimaginável um modo de vida sem o negativo das coisas. Tudo precisa de um oposto, portanto, o estado de eterna beatificação é uma meta inalcansável, pelo menos neste mundo, e é aqui onde habitamos, então é o que realmente importa. Se na "morada do Pai" ou nos "planetas astrais" de Krishna não existe dualidade, ótimo, mas nós, humanos, habitamos o planeta Terra, só para lembrar...

Existe uma Verdade Eterna e Imutável? Sim! Mas não temos acesso a ela... Só que o ser humano se sente desamparado, precisa de respostas, precisa se escorar em algo, precisa jogar uma âncora para não ir com o fluxo, pois ele não sabe onde isso vai dar. Então, precisa inventar e interiorizar que acredita realmente naquilo, pois é a resposta mais plausível que encontrou, e então as suas opiniões e crenças tornam-se extremamente rígidas, pois só o seu Senhor salva, então, tudo que for além é demoníaco. E então cria um monte de preconceitos, e vive uma vida limitada, um verdadeiro escravo de uma religião que diz ter a revelação da Verdade Eterna, só que é tudo ficção.

"A água a nada se opõe e nada pode a ela se opor" é uma forma poética de dizer que tudo está em fluxo. A dualidade, para os chineses, é uma dualidade não-dupla: o Yin ativa o Yung e vice-versa. O que há é o meio, que é o resultado da articulação dinâmica de tudo. A vida é um equilíbrio misterioso, resultado de contradições inexplicáveis pela razão. Não é possível existir uma sociedade homogênea, onde todos seguem todas as regras em eterna beatificação e pureza. Isso seria contra a natureza, seria uma aberração que não levaria a lugar nenhum.

O que realmente importa é transcender o que todos fazem: é renunciar ao padrão habitual de comportamento. O que importa mesmo é ouvir os sons inaudíveis, é experimentar a invisibilidade das cores, a visibilidade dos sons, a audibilidade da cores...

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